Cannabis Medicinal no Brasil: Novos Rumos entre Regulação, Judiciário e Congresso
- adm3620
- 16 de abr.
- 3 min de leitura

Por Time de Healthcare, RondinoMegale_Advogados
A regulamentação da cannabis medicinal no Brasil vive um momento interessante, com avanços simultâneos nas esferas administrativa, legislativa e judicial. A iniciativa da ANVISA, ao abrir consulta pública para atualizar normas sanitárias, tem foco principal na regulação do consumo, estabelecendo critérios para importação, prescrição, comercialização e uso seguro dos produtos de cannabis medicinal no país. Em paralelo, decisões do STJ e projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional concentram-se em propor mudanças estruturais relacionadas ao plantio, cultivo e processamento da planta, especialmente para fins medicinais e industriais, buscando viabilizar a produção nacional e ampliar o acesso aos tratamentos. Essas frentes complementares refletem a complexidade do tema e a necessidade de integração entre regulação do consumo e da cadeia produtiva para o desenvolvimento do mercado brasileiro de cannabis medicinal.
O Papel da RDC 327/2019 e sua Revisão
A RDC 327/2019 foi promulgada pela ANVISA em dezembro de 2019 para viabilizar o acesso de pacientes a produtos de cannabis para fins medicinais, especialmente para aqueles refratários aos tratamentos disponíveis no Brasil. A norma estabeleceu procedimentos para a autorização sanitária de fabricação, importação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização desses produtos. Criou-se, assim, uma categoria regulatória transitória, com prazo determinado para que empresas apresentassem estudos robustos e submetessem seus produtos ao registro como medicamentos.
Desde a sua publicação, já estava prevista a revisão da RDC, considerando que o período de cinco anos poderia ser insuficiente para a consolidação de evidências científicas sobre eficácia e segurança. O processo de revisão foi iniciado em 2022, com análise de impacto regulatório e participação social, culminando na atual consulta pública, que busca atualizar a norma à luz dos avanços científicos e das demandas da sociedade.
Consulta Pública da ANVISA: Novas Regras para Produtos de Cannabis
A Consulta Pública nº 1.316/2025 propõe revisar a RDC 327/2019, que regula produtos de cannabis para uso medicinal. Entre as principais mudanças estão:
Ampliação das vias de administração: inclusão das vias bucal, sublingual e dermatológica, além das já permitidas - oral e inalatória.
Prescrição por cirurgiões-dentistas: ampliação do leque de profissionais habilitados.
THC acima de 0,2%: restrito a pacientes com doenças graves, como câncer ou esclerose múltipla.
Produção em farmácias de manipulação: autorização para elaborar preparações com a substância CBD.
Publicidade: Propõe regras mais claras e restritivas para a publicidade de produtos à base de cannabis. A divulgação será permitida exclusivamente para profissionais de saúde habilitados, vedando qualquer tipo de publicidade direcionada ao público em geral. A medida visa evitar a promoção indiscriminada e o consumo inadequado, alinhando-se às práticas adotadas para medicamentos sujeitos a controle especial.
Com isso, a proposta em discussão visa equilibrar acesso seguro e controle sanitário, mantendo a categoria transitória de "produtos de cannabis" (diferente de medicamentos registrados). O prazo para contribuições se encerra em 2 de junho de 2025.
REsp 2024250/PR: O STJ e a Liberação do Cultivo
Em dezembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o cultivo de cânhamo industrial (THC < 0,3%) para fins medicinais e farmacêuticos, determinando que a ANVISA regulamente a atividade em seis meses. A decisão reconheceu que variedades de cannabis com baixo THC não possuem potencial alucinógeno, desvinculando-as da Lei de Drogas.
Embora a consulta pública atual da ANVISA não aborde o cultivo – tema sob responsabilidade da AGU –, a pressão judicial acelerou discussões sobre a necessidade de um marco legal claro.
PL 399/15: O Projeto de Lei que Busca Legalizar o Cultivo
Aprovado pela Câmara em 2021, o Projeto de Lei 399/15 propõe:
Cultivo por empresas e associações: com fiscalização estatal e restrição a fins medicinais/industriais.
Produção no SUS: farmácias públicas poderiam cultivar e processar cannabis.
Cânhamo industrial: uso em cosméticos, têxteis e alimentos.
O PL está parado na Mesa Diretora da Câmara, aguardando análise em Plenário. Sua aprovação complementaria a regulamentação da ANVISA, resolvendo lacunas como a origem da matéria-prima.
Conexões e Desafios
Regulatório vs. Judicial: Enquanto a ANVISA foca em regras sanitárias, o STJ e o Legislativo pressionam por mudanças na base da cadeia produtiva (cultivo).
Acesso vs. Controle: A ampliação de vias de administração e prescritores facilita o acesso, mas a manutenção de limites rígidos de THC gera críticas de pacientes.
Custo elevado: A dependência de importação de insumos mantém os preços altos, problema que o PL 399/15 e o cultivo nacional poderiam tentar endereçar.
Este cenário multifacetado revela uma regulamentação em transição no Brasil, onde a busca por tratamentos seguros convive com desafios históricos de legalização. A participação na consulta pública e a pressão por avanços legislativos serão cruciais para definir o futuro da cannabis medicinal no país.
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