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Blindagem aos Minoritários: O Arsenal Jurídico do PL 2925/2023 que Promete Revolucionar o Mercado de Capitais

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Por Time Societário & Mercado de Capitais, RondinoMegale_Advogados


O Projeto de Lei 2925/2023 representa uma das mais significativas propostas de reforma da legislação do mercado de capitais brasileiro em anos recentes. Elaborado com o objetivo de criar mecanismos mais efetivos de proteção aos acionistas minoritários, o PL promete uma transformação profunda nas relações de poder dentro das companhias abertas e na forma como os investidores podem se defender contra abusos e ilegalidades. Apresentado pelo Poder Executivo em junho de 2023, o projeto surge como resposta a escândalos corporativos que expuseram as fragilidades do sistema atual e a necessidade de maior segurança jurídica no ambiente de investimentos nacional.


Contexto e Motivações


A proposta legislativa chega em um momento crítico, dois anos após o escândalo contábil que levou à implosão da varejista Americanas, evento que paralisou temporariamente o mercado de capitais brasileiro e deixou milhares de investidores com prejuízos significativos. Este episódio evidenciou as limitações dos mecanismos atuais de ressarcimento e responsabilização no mercado de capitais brasileiro.


Em declaração recente, Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, destacou que "nossos mecanismos de ressarcimento de danos aos investidores não são efetivos. Temos poucos investidores efetivamente sendo ressarcidos pelos prejuízos que sofreram". Esta observação sintetiza o problema que o PL 2925/2023 busca resolver: a falta de instrumentos jurídicos eficazes para que investidores minoritários possam obter reparação em casos de práticas irregulares ou abusivas por parte de administradores e controladores.


O projeto foi elaborado pelo Ministério da Fazenda através da Secretaria de Reformas Econômicas, após consultas com especialistas e participantes do mercado. Sua aprovação é considerada uma prioridade legislativa para 2025, indicando o reconhecimento oficial da urgência em aprimorar o ambiente regulatório do mercado brasileiro.


Pilares Fundamentais do Projeto


O PL 2925/2023 propõe alterações significativas nas Leis 6.385/76 (que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários) e 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações). Suas principais inovações estão estruturadas em torno de quatro pilares fundamentais, que buscam atacar as deficiências mais críticas identificadas no sistema atual.


  • Ação Civil Coletiva de Responsabilidade


A criação de um mecanismo de ação civil coletiva de responsabilidade constitui talvez a inovação mais significativa do projeto. Atualmente, os investidores prejudicados por condutas ilícitas enfrentam obstáculos consideráveis para obter ressarcimento, principalmente devido aos custos elevados dos processos e à assimetria de poder em relação às empresas investidas e controladores.


O PL estabelece que acionistas minoritários e debenturistas lesados poderão propor ação civil coletiva quando administradores e/ou acionistas controladores infringirem a lei. Para evitar ações temerárias, o projeto estabelece critérios de legitimação: poderão propor estas ações os investidores que representem pelo menos 2,5% dos valores mobiliários da mesma espécie ou classe, ou que possuam valores mobiliários em montante igual ou superior a R$ 50 milhões, valor que será atualizado anualmente pelo IPCA.


Uma inovação particularmente relevante é o sistema de incentivos econômicos introduzido pelo projeto. Em caso de condenação, os responsáveis deverão pagar ao requerente um prêmio de 20% de qualquer penalidade financeira imposta. Este mecanismo cria um incentivo econômico significativo para a fiscalização e denúncia de irregularidades, reequilibrando os incentivos econômicos e riscos para as partes em processos judiciais ou arbitrais.


  • Maior Transparência em Processos Arbitrais


A arbitragem tornou-se o principal meio de resolução de conflitos envolvendo companhias abertas no Brasil, especialmente aquelas listadas no Novo Mercado da B3. No entanto, a confidencialidade inerente aos procedimentos arbitrais tem gerado críticas quanto à falta de transparência e à impossibilidade de outros investidores afetados se beneficiarem de decisões favoráveis.


O PL 2925/2023 inova ao propor maior publicidade em processos arbitrais envolvendo companhias abertas. O projeto estabelece que os procedimentos arbitrais que envolvam companhias abertas devem ser públicos, ressalvadas apenas informações de natureza estratégica ou comercial. Além disso, passa a ser permitido que outros investidores prejudicados possam intervir no procedimento arbitral, conferindo maior eficiência e uniformidade no tratamento das causas.


Esta medida alinha-se às melhores práticas internacionais e representa um equilíbrio entre os benefícios da arbitragem (celeridade, especialização) e a necessidade de transparência em questões que afetam o interesse público e de múltiplos investidores.


  • Eliminação da Exoneração Automática de Responsabilidade


Um dos pontos mais criticados da legislação atual é a regra que estabelece que a aprovação, sem ressalvas, das demonstrações financeiras e das contas dos administradores exonera-os de responsabilidade. Esta disposição tem sido utilizada como escudo por administradores que, mesmo tendo cometido irregularidades, conseguem aprovar suas contas em assembleias controladas pelos acionistas majoritários.


O PL 2925/2023 altera drasticamente esta regra, determinando que a exoneração de responsabilidade dos administradores não será automática com a aprovação das contas. A exoneração só será válida quando deliberada de forma específica em Assembleia Geral, após a apresentação das contas. Esta mudança visa garantir que a aprovação das contas não seja utilizada como um instrumento para impedir a responsabilização de administradores por atos irregulares.


  • Fortalecimento das Competências da CVM


O quarto pilar do projeto está no fortalecimento institucional da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador central do mercado de capitais brasileiro. O PL amplia os poderes de investigação da CVM, conferindo-lhe maior capacidade de supervisão e fiscalização do mercado.


O projeto reforça as competências da CVM na defesa dos direitos de acionistas minoritários, permitindo que a autarquia imponha penalidades mais severas em casos de infrações graves. Além disso, o PL busca agilizar os procedimentos administrativos conduzidos pela CVM, tornando mais eficiente a repressão a condutas ilícitas no mercado.


Riscos Potenciais e Críticas Construtivas


Embora as propostas do PL 2925/2023 representem avanços significativos para a proteção dos investidores minoritários, existem aspectos que merecem análise crítica e cuidadosa, especialmente quanto aos seus possíveis efeitos colaterais no funcionamento do mercado.


  • Co-responsabilização e Encarecimento das Ofertas Públicas


Entre as disposições mais controversas do projeto está a co-responsabilização de ofertantes, coordenadores e intermediários de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários. Se aprovada, esta medida permitirá que estes agentes sejam diretamente responsabilizados por danos causados aos investidores em caso de infração à legislação e à regulamentação do mercado.


Embora esta proposta possa aumentar a segurança jurídica dos investidores, ela representa um risco potencial para o próprio desenvolvimento do mercado de capitais. O processo de abertura de capital já envolve custos significativos, incluindo a remuneração de underwriters (coordenadores), que geralmente varia entre 3% e 10% do valor da oferta. A ampliação das responsabilidades legais destes agentes provavelmente resultará em aumento destas taxas, como forma de compensação pelo risco adicional assumido.


Este encarecimento pode ter consequências particularmente negativas para o mercado brasileiro atual, que já sofre com a ausência de novas aberturas de capital há quase quatro anos. Empresas de médio porte, que já enfrentam dificuldades para acessar o mercado acionário, podem se ver ainda mais desestimuladas diante de custos mais elevados.


Adicionalmente, o aumento das responsabilidades pode levar à concentração do mercado de coordenação de ofertas, com instituições menores retirando-se deste segmento por incapacidade de absorver os novos riscos.


Uma abordagem mais equilibrada para a co-responsabilização poderia envolver a definição de níveis de responsabilidade proporcionais ao porte da oferta, tipo de valores mobiliários e perfil dos investidores-alvo. A legislação também poderia estabelecer padrões objetivos de diligência para coordenadores e intermediários, criando maior previsibilidade quanto às suas obrigações e reduzindo a incerteza jurídica que tende a elevar os prêmios de risco.


Estas calibragens poderiam preservar os benefícios da maior proteção aos investidores sem comprometer excessivamente a viabilidade econômica das ofertas públicas como mecanismo de financiamento para as empresas brasileiras.


  • Riscos de Judicialização Excessiva


Outra preocupação relaciona-se à possibilidade de que as novas modalidades de ação judicial, especialmente a ação civil coletiva, possam levar a uma judicialização excessiva das relações societárias. O incentivo econômico de 20% sobre as penalidades financeiras, embora importante para viabilizar o acesso à justiça, pode eventualmente estimular ações oportunistas ou temerárias.


O equilíbrio entre facilitar o acesso à justiça e evitar abusos é delicado, e o projeto poderia se beneficiar de mecanismos adicionais para filtrar demandas sem fundamento, como análise prévia de admissibilidade por órgãos técnicos especializados.


Implicações para o Mercado: Possível Contribuição para Reter Empresas na B3


As medidas propostas pelo PL 2925/2023 surgem em um momento particularmente desafiador para o mercado de capitais brasileiro, marcado pelo fenômeno crescente de fechamento de capital de empresas listadas na B3. Dados recentes mostram que o número de companhias listadas caiu de 463 em 2021 para 429 atualmente, com metade dessas saídas ocorrendo apenas em 2024.


Segundo reportagem da Bloomberg Linea, empresas como LWSA (anteriormente conhecida como Locaweb), Ourofino e Positivo Tecnologia estão considerando deixar a Bolsa, em um contexto onde as ações brasileiras são negociadas a múltiplos significativamente abaixo das médias históricas. Esta tendência de fechamento de capital, combinada com a ausência de novos IPOs em quase quatro anos, coloca em questão a sustentabilidade do mercado acionário brasileiro no longo prazo.


O fortalecimento da proteção aos acionistas minoritários proposto pelo PL 2925/2023 pode contribuir para reverter esta tendência. Ao criar um ambiente de maior segurança jurídica para investidores, o projeto tem o potencial de aumentar a confiança no mercado brasileiro, atraindo tanto capital nacional quanto estrangeiro. Este influxo de recursos tenderia a melhorar a liquidez e as avaliações das empresas listadas, potencialmente reduzindo os incentivos econômicos para o fechamento de capital.


No entanto, é importante reconhecer que o sucesso desta estratégia dependerá de um equilíbrio delicado entre fortalecer a proteção aos investidores e manter custos regulatórios gerenciáveis. Um excesso de responsabilização, como discutido anteriormente no contexto das ofertas públicas, poderia desestimular novas aberturas de capital, agravando o problema que se pretende resolver.


Conclusão: Um Marco Potencial para o Mercado Brasileiro


O PL 2925/2023 representa uma oportunidade histórica para modernizar o arcabouço legal do mercado de capitais brasileiro, aproximando-o dos mais elevados padrões internacionais de proteção aos investidores. Suas propostas para criação de ações coletivas, maior transparência em processos arbitrais, eliminação da exoneração automática de administradores e fortalecimento da CVM constituem um conjunto coerente de medidas para aprimorar a segurança jurídica no mercado.


Os potenciais benefícios destas medidas são significativos: maior confiança dos investidores, aumento da liquidez, valorização das empresas listadas e alinhamento com as melhores práticas internacionais. Para as companhias comprometidas com elevados padrões de governança, o projeto pode significar acesso a capital em condições mais favoráveis no longo prazo.


No entanto, é fundamental que a implementação destas mudanças seja cuidadosamente calibrada para evitar efeitos colaterais indesejados, especialmente o encarecimento excessivo do acesso ao mercado de capitais. A co-responsabilização de agentes do mercado, embora até relevante para o aumento da segurançã jurídica na proteção dos investidores, deve ser dimensionada para preservar a viabilidade econômica das ofertas públicas.


O desafio que se coloca para o legislador, reguladores e participantes do mercado é encontrar o ponto ótimo entre proteção e eficiência, fortalecendo a segurança jurídica sem comprometer o dinamismo e a acessibilidade do mercado de capitais. Se bem-sucedido, o PL 2925/2023 poderá não apenas prevenir novos casos como o da Americanas, mas também contribuir para revitalizar o mercado acionário brasileiro, criando um ambiente mais propício tanto para empresas em busca de financiamento quanto para investidores em busca de oportunidades.


Para as companhias abertas e seus acionistas, o momento é propício para acompanhar atentamente a tramitação do PL 2925/2023 e antecipar-se às mudanças, ajustando suas estruturas de governança e práticas corporativas aos novos padrões que se delineiam. Para os investidores, especialmente os minoritários, o projeto representa uma promessa de maior equilíbrio nas relações de poder dentro das companhias e de mecanismos mais efetivos para a defesa de seus direitos.


 
 
 

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