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Infraestrutura em Transformação: O Protagonismo do Investimento Privado e o Desafio da Nova Tributação da MP 1.303/2025

  • adm3620
  • 2 de jul.
  • 4 min de leitura

Por: Ricardo Rondino e Morvan Meirelles Costa, Advogados.


O investimento em infraestrutura é um dos pilares do desenvolvimento econômico, social e da competitividade de qualquer país. No Brasil, esse tema ganhou contornos ainda mais relevantes na última década, diante da necessidade de modernizar setores como saneamento, transportes, energia e telecomunicações. O protagonismo do capital privado, que já responde por mais de 70% dos aportes no setor, é resultado de um processo de amadurecimento institucional e avanços regulatórios mas que, recentemente, tem enfrentado desafios gerados por mudanças na tributação de instrumentos financeiros essenciais ao financiamento desses projetos.


O Crescimento da Participação Privada


O Brasil nunca contou com tanto investimento privado em infraestrutura como na última década. Só no âmbito do Ministério dos Portos e Aeroportos, foram firmados 275 contratos com a iniciativa privada, especialmente por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Esse movimento foi impulsionado por marcos regulatórios mais sólidos, que trouxeram segurança jurídica e atraíram investidores nacionais e estrangeiros dispostos a aportar capital em projetos de longo prazo.


De acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), saneamento básico, transportes e energia elétrica lideram os investimentos privados em infraestrutura em 2025, com previsão de R$ 277,9 bilhões investidos, o equivalente a 2,21% do PIB brasileiro. O setor elétrico, puxado por energias renováveis e leilões de transmissão, concentra o maior volume de recursos, seguido por transportes e saneamento, este último impulsionado pelo novo marco legal que exige a universalização dos serviços até 2033.


Substituição ao Investimento Estatal


O papel do investimento privado cresceu de forma consistente desde 2019, mantendo-se acima de 70% do total investido em infraestrutura, enquanto o aporte estatal perdeu protagonismo diante das restrições fiscais e do aumento da demanda por modernização dos ativos existentes. O BNDES, que por décadas foi o principal agente financiador de infraestrutura no país – impulsionando desde as grandes obras do Plano de Metas (1956-1961) até projetos industriais estratégicos no regime militar –, hoje dedica-se mais à estruturação técnica de projetos, como estudos de viabilidade, modelagem de riscos e apoio a leilões. Essa mudança é emblemática: em 2024, o crédito privado (via debêntures e outros instrumentos) superou em três vezes os desembolsos do BNDES nos segmentos de infraestrutura.


O banco público segue relevante ao assegurar a atratividade dos empreendimentos, como no caso da privatização da Cedae (RJ), onde atuou na modelagem jurídica e operacional. No entanto, o protagonismo do financiamento migrou para a iniciativa privada, viabilizando projetos de alta complexidade que, sem a participação de fundos e investidores institucionais, permaneceriam inviáveis. O BNDES, por sua vez, ampliou parcerias com instituições financeiras privadas, compartilhando garantias e expertise técnica para reduzir riscos e atrair capital.


Mecanismos de Financiamento e o Papel das Debêntures


A tendência recente reflete uma mudança estrutural mais ampla no sistema financeiro brasileiro: enquanto o crédito bancário tradicional concentra-se em operações de curto prazo, o mercado de capitais passou a ocupar o espaço do financiamento de médio e longo prazo, e os bancos de desenvolvimento, como o BNDES, direcionam-se a projetos para pequenas e médias empresas e inovação.


O mercado de capitais, especialmente via debêntures incentivadas de infraestrutura, foi fundamental para esse avanço. Segundo dados levantados pela Associação das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), apenas no setor de saneamento, as debêntures financiaram 52 projetos desde 2020, totalizando R$ 60,2 bilhões em emissões – um crescimento de 1.444% em relação ao período anterior (2015 a 2020). Em muitos leilões, mais de 45% das concessionárias recorreram a esse instrumento para captar recursos de longo prazo, essenciais para projetos de alta complexidade e retorno dilatado no tempo.


O Impacto da MP 1303/2025


A Medida Provisória 1303/2025, que prevê o fim da isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas em debêntures incentivadas, trouxe apreensão ao setor. De acordo com o texto da MP, que agora segue para validação pelo Congresso, a partir de 2026, esses títulos passarão a ser tributados em 5%, o que pode encarecer o crédito, reduzir a atratividade dos projetos e impactar diretamente a dinâmica dos próximos leilões, especialmente em setores com alta demanda de capital, como saneamento e energia.


Entidades como a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) e a Aliança para a Infraestrutura alertam que a nova tributação pode interromper a trajetória de crescimento dos investimentos privados, tornando o financiamento mais caro e menos acessível. Parlamentares e representantes do setor produtivo defendem que a medida é um “erro estratégico”, pois onera o custo do capital e pode gerar efeitos inflacionários ao longo da cadeia produtiva.


Por outro lado, o Ministério da Fazenda argumenta que, mesmo com a tributação, as debêntures ainda manterão vantagem competitiva em relação a outros instrumentos financeiros, já que a alíquota de IR para aplicações tradicionais subirá para 17,5%. No entanto, o setor privado ressalta que, diante da elevada taxa de juros e do volume crescente de projetos, qualquer aumento de custo pode ser decisivo para a viabilidade dos investimentos, especialmente em um cenário de margens cada vez mais apertadas.


O Futuro da Infraestrutura Brasileira


Apesar dos avanços, o Brasil ainda investe menos do que o necessário para superar seus gargalos de infraestrutura, mantendo aportes próximos a 2% do PIB, quando o ideal seria mais do que o dobro desse valor. O fortalecimento do ambiente de negócios, a redução de barreiras regulatórias e a manutenção de instrumentos de financiamento atrativos são essenciais para garantir que o capital privado continue desempenhando seu papel central na modernização do país.


O investimento privado em infraestrutura é hoje o grande motor do desenvolvimento do setor no Brasil, tendo substituído em grande parte o aporte estatal. A continuidade desse ciclo virtuoso depende de políticas públicas que incentivem o financiamento de longo prazo e de um ambiente regulatório estável. Mudanças como a taxação das debêntures de infraestrutura exigem cautela e diálogo, sob risco de comprometer a capacidade do país de avançar em áreas estratégicas para sua competitividade e bem-estar social.


 
 
 

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