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Mais Liberdade, Novos Desafios: As Principais Mudanças das Novas Regras do Setor Elétrico

  • adm3620
  • 3 de nov.
  • 4 min de leitura
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Por: Ricardo Rondino, sócio de RondinoMegale_Advogados


A Medida Provisória 1304 foi aprovada no Congresso Brasileiro em um ritmo extremamente acelerado, com pouca oportunidade para debates aprofundados. Sessões simbólicas, votações em menos de uma hora nas duas casas e pautas inseridas de última hora surpreenderam agentes do setor. Essa rápida tramitação levanta dúvidas sobre a qualidade do exame das complexas mudanças propostas e pode dificultar a antecipação dos impactos concretos para os diversos agentes do sistema elétrico.

Panorama das principais alterações


Ampliação do Mercado Livre e Contrapartidas para Distribuidoras

A MP amplia para todos os consumidores brasileiros o direito de escolher seus fornecedores de energia elétrica, direito que até então era restrito a grandes consumidores. Essa universalização deve ser implementada em até dois anos para indústrias e comércios, e em até três anos para consumidores residenciais. A mudança rompe com o modelo de clientes cativos das distribuidoras regionais, o que impacta significativamente suas receitas, pois os custos de manutenção e distribuição das redes são fixos e contínuos. Para compensar essa perda, a MP prevê mecanismos de ressarcimento financeiro para as distribuidoras, abrangendo custos de contratos já firmados e investimentos, com repasse por meio de tarifas específicas e encargos regulatórios. A regulamentação detalhada desses mecanismos fica a cargo da ANEEL e do Ministério de Minas e Energia (MME).

Subsídios cruzados na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE): funcionamento e alterações

A CDE é um fundo setorial que financia políticas públicas e subsídios no setor elétrico, custeados por encargos embutidos nas tarifas que todos pagam. Subsídios cruzados acontecem quando determinados grupos de consumidores, geralmente indústrias ou atividades comerciais específicas, pagam valores maiores para ajudar a subsidiar outros grupos, como consumidores rurais, baixa renda, fontes incentivadas e programas sociais. Embora fundamentais para garantir tarifas sociais e universalização do serviço, esses subsídios podem gerar distorções econômicas e tarifárias para os demais consumidores.


A MP 1304 impõe um teto orçamentário aos recursos arrecadados pela CDE a partir de 2027, ajustado pela inflação, limitando o crescimento dos subsídios. Caso a arrecadação seja insuficiente para cobrir todos os benefícios previstos, o texto prevê a redução proporcional desses subsídios, criando o chamado Encargo de Complemento de Recursos, que será cobrado dos próprios beneficiários na proporção do benefício recebido. Itens como a Tarifa Social e o programa Luz para Todos ficam excluídos desse teto e têm garantia de continuidade. Essa medida busca maior transparência, racionalização e equilíbrio no uso dos recursos da CDE.

Geração Distribuída (GD): isenção de taxa e necessidade de controle gradual

Originalmente prevista para instituir uma taxa de R$ 20 a cada 100 kWh injetados na rede para novos projetos de geração distribuída, essa cobrança foi retirada por destaque aprovado na Câmara. Isso mantém a isenção para residências e pequenas e médias empresas que investem em energia solar e outras fontes distribuídas, reforçando o incentivo a esse segmento fundamental para a democratização da energia limpa no país.

Entretanto, é importante destacar a necessidade de um marco regulatório que discipline ou limite gradualmente os subsídios ao segmento, de modo que seu crescimento sustentável não gere desequilíbrios econômicos ou oneração excessiva do sistema e dos demais consumidores. Essa reflexão é crucial para o equilíbrio do mercado de energia em médio e longo prazos.


Curtailment: o que é e como fica após a MP

Curtailment são os cortes obrigatórios na geração de energia renovável realizados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para ajustar a oferta à demanda quando há excesso de geração, especialmente em horários de baixa demanda e alta produção solar ou eólica. Após a MP 1304, os geradores eólicos e solares que sofrerem cortes têm direito a ressarcimento, desde 1º de setembro de 2023, pagável via Encargos de Serviço do Sistema (ESS), que são repassados no custo final da energia aos consumidores.


Para receber a compensação, entretanto, os geradores devem desistir de ações judiciais anteriores relacionadas a esses cortes. Essa nova regra equilibra o risco dos produtores, mas cria o desafio de internalizar custos adicionais no sistema elétrico, exigindo uma gestão eficiente e transparente para evitar impactos tarifários significativos. A regulamentação desse processo será fundamental para definir a abrangência dos cortes, critérios de compensação e assegurar a segurança jurídica aos agentes do setor.

Fomento ao armazenamento: incentivos e custos para o sistema

A MP institui a criação de incentivos para o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento energético, como baterias, em diferentes níveis: desde grandes plantas centralizadas até armazenamento em subestações e instalações residenciais e comerciais. A intenção é melhorar a flexibilidade do sistema diante da crescente participação de fontes intermitentes, fortalecer a resiliência e reduzir perdas por curtailment.


Os custos desses incentivos serão compartilhados por meio da CDE e encargos setoriais, implicando que o consumidor final também arcará com parte dos investimentos. Incentivos fiscais e linhas de crédito especiais deverão ser criados para estimular os investimentos privados. A regulamentação detalhada, que definirá critérios técnicos, elegibilidade e custos, será coordenada pela ANEEL em conjunto com o MME.

Próximos passos


Com a aprovação da MP 1304, o texto segue agora para sanção presidencial, na qual são esperados vetos em pontos sensíveis, especialmente sobre o Preço de Referência do Petróleo (PRP), que afeta royalties e custos para petroleiras. A partir da sanção, o principal desafio será a elaboração das regulamentações infralegais necessárias pela ANEEL e MME. Essas normas regulamentares terão papel central para detalhar prazos, regras tarifárias, ressarcimentos, incentivos e demais disposições, permitindo que o setor compreenda as consequências e se prepare para as mudanças.


Além disso, será fundamental investir em comunicação clara para que consumidores, geradores, distribuidoras e investidores entendam plenamente seus direitos e obrigações no novo ambiente regulatório, evitando insegurança jurídica e incentivando investimentos que garantam a segurança, modicidade e sustentabilidade do sistema elétrico brasileiro.

 
 
 

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