Curtailment no Setor Elétrico: Desafios Regulatórios e a Busca por uma Solução Equilibrada
- adm3620
- 19 de mar.
- 3 min de leitura

Por Ricardo Rondino, RondinoMegale_Advogados
O crescimento acelerado das fontes renováveis na matriz energética brasileira trouxe à tona um desafio regulatório complexo: o fenômeno conhecido como curtailment, que consiste na redução obrigatória da geração de energia elétrica, especialmente em usinas hidrelétricas, eólicas e solares. Esses cortes acontecem quando a produção supera a capacidade de consumo ou transmissão do sistema elétrico, gerando prejuízos significativos aos empreendedores e impactando negativamente a confiança dos investidores no setor.
De acordo com dados recentes divulgados pelas associações do setor, somente em 2024, os prejuízos decorrentes do curtailment chegaram a aproximadamente R$ 1,6 bilhão para usinas solares e eólicas no Nordeste brasileiro. Tais perdas financeiras afetam diretamente a sustentabilidade econômica dos empreendimentos e podem comprometer investimentos futuros em energia renovável no país.
A Consulta Pública nº 45/2019 e a Proposta de Hierarquia de Cortes
Diante desse cenário crítico, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) vem conduzindo desde 2019 a Consulta Pública nº 45/2019, destinada a estabelecer critérios claros para esses cortes obrigatórios. O principal objetivo é definir uma hierarquia técnica e econômica que minimize prejuízos financeiros aos agentes do setor e evite repasses tarifários excessivos aos consumidores finais.
Uma das propostas discutidas na consulta pública é estabelecer uma ordem de cortes baseada no custo marginal das fontes para o sistema elétrico. Nesse modelo, seriam cortadas primeiro as fontes mais caras para os consumidores (como termelétricas fósseis), depois as fontes consideradas neutras (hidrelétricas sem reservatório, renováveis intermitentes como solar e eólica, além da geração distribuída), deixando por último aquelas cujo corte poderia gerar custos futuros significativos ao sistema (hidrelétricas com reservatório).
As Posições das Associações Setoriais
Durante as discussões da Consulta Pública, diferentes associações setoriais apresentaram suas posições sobre como deveria ser estruturada essa hierarquia:
ABRAGE (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica): Defende que as hidrelétricas já têm sofrido historicamente o maior volume de curtailment (86% dos cortes entre 2022 e 2024), argumentando que essas usinas são essenciais para garantir segurança energética devido à sua capacidade de armazenamento. Por isso, pedem que cortes adicionais sejam evitados ou minimizados nessas fontes.
ABEEÓLICA (Associação Brasileira de Energia Eólica) e ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica): Argumentam que as fontes renováveis intermitentes não possuem capacidade de armazenamento, portanto não conseguem recompor energia perdida posteriormente. Essas associações reivindicam compensação financeira integral pelos cortes determinados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), alegando que tais eventos são externos ao controle dos geradores.
ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída): Rejeita qualquer proposta que inclua micro e minigeração distribuída nos rateios financeiros decorrentes do curtailment. A associação entende que a GD opera próxima ao consumo final, reduzindo perdas técnicas na rede elétrica e não contribuindo diretamente para os gargalos na transmissão responsáveis pelos cortes.
Como a ANEEL Deve Atuar para Equacionar o Impasse?
Frente às divergências apresentadas pelas associações setoriais, cabe à ANEEL assumir uma postura técnica, transparente e equilibrada para solucionar o impasse regulatório.
Sem querer ser exaustivo, entendemos que as seguintes diretrizes podem contribuir com o equicionamento do tema:
Critérios Técnicos Claros: Definir objetivamente quais fontes devem ser cortadas primeiro com base em critérios técnicos transparentes, especialmente considerando o custo marginal real ao consumidor final. Fontes mais caras devem ser priorizadas nos cortes para reduzir impactos tarifários imediatos.
Regionalização das Decisões: Implementar soluções específicas por região ou submercado. Por exemplo, no Nordeste brasileiro—onde os cortes são mais frequentes devido à concentração de geração renovável—soluções específicas podem incluir investimentos acelerados em infraestrutura de transmissão ou sistemas regionais de armazenamento energético.
Mecanismos Justos de Compensação: Avaliar mecanismos equilibrados para compensação financeira parcial aos geradores afetados pelos cortes involuntários, evitando repasses excessivos aos consumidores. Uma possibilidade seria criar fundos específicos financiados por multas regulatórias ou outras receitas extraordinárias do setor.
Incentivo à Flexibilidade Operacional: Promover regulamentações que incentivem investimentos em tecnologias complementares como baterias estacionárias ou produção de hidrogênio verde com excedentes energéticos cortados compulsoriamente.
Diálogo Contínuo com Agentes do Setor: Manter um canal aberto permanente entre ANEEL, ONS e associações setoriais para monitoramento constante dos impactos regulatórios implementados, permitindo ajustes rápidos conforme necessário.
Uma Solução Equilibrada é Possível
O desafio enfrentado pela ANEEL não é trivial; contudo, uma solução equilibrada pode ser alcançada através da combinação inteligente entre critérios técnicos claros, regionalização estratégica das decisões regulatórias e mecanismos justos de compensação financeira. A definição transparente dessas regras será fundamental não apenas para reduzir prejuízos econômicos imediatos causados pelo curtailment mas também para garantir segurança jurídica aos investidores—essencial à continuidade dos investimentos necessários rumo à transição energética sustentável no Brasil.
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